quinta-feira, 23 de outubro de 2008

etiopia ( jessica)


A grama tornou-se preta; mal se toca nela, vira cinza", explica Yasin Mohamed, da etnia issa, nosso guia nessa viagem através da desolação. Estamos na parte oriental da Etiópia, na província de Dire Dawa: sete milhões de pessoas, na maioria nômades, três milhões em risco de morte por fome.

Mas a situação não é diferente no resto do país, com 1.130.000 km2 e mais de 60 milhões de habitantes. Conforme as previsões da ONU, na primeira metade de 2003, o número de pessoas vítimas da seca e necessitadas de ajuda alimentar será de 10 a 14 milhões.

"Vê aqueles tucul (casebres)? - continua Yasin Mohamed - Foram construídos porque ali ainda tem algo para alimentar o gado; depois, quando tudo for destruído pelos gafanhotos, os pastores partirão e irão vender o gado para comprar açúcar ou sal, ou mantimento para suas famílias.

Nossas famílias são grandes, não menos de dez membros, e nossos rebanhos são nossa única riqueza". As pessoas que encontramos se parecem com padeiros enfarinhados pela poeira branca e fina levantada pelo vento, que se deposita sobre tudo e todos. Assim é o xale da velhinha com dois burrinhos com a qual cruzamos: "Vou à cidade para vender um deles para comprar algo para meus filhos - diz. - A única opção que nos resta é ir embora daqui. Em toda parte só vejo terra queimada".

No leito do rio El bahe perambulam vacas magras e fracas, trazendo nos focinhos a expressão clara de uma morte próxima. Os homens cavam poças profundas, que costumam medir pela altura de um homem. "Esta é profunda cinco homens - explica um nômade issa - trazemos a água e há dez dias continuamos cavando para ir mais fundo. Nossa aldeia está distante um dia e uma noite de caminho. Se chegar a chuva sazonal, teremos futuro; se não, para nós acabou".

Pedimos se também nós, estrangeiros, podemos beber. "São hóspedes - é a resposta -. Mas não os afares! Ai deles se aproximam: são mortos antes de sentirem o cheiro da água". Issas e afares não se toleram, como muitos outros grupos etíopes. Esta é uma área de conflito político e étnico, sobretudo pelos escassos recursos naturais e o furto de gado. Afar e issa sabem se reconhecer a distâncias, até pelas pegadas deixadas na areia. Quando dois guerreiros se encontram num mesmo caminho, só um vence e se salva.

A Etiópia enfrentou, de 1998 até 2000, uma guerra sangrenta contra a Eritréia, por questões de fronteira, causando mais de 100 mil mortos e um milhão de refugiados. Na realidade, o problema das fronteiras era só um pretexto para esconder intenções hegemônicas na região, alimentadas por antigas rivalidades, acusações recíprocas, ódios nunca reprimidos. Agora, por intervenção da Organização da Unidade Africana (OUA), da ONU e de outros países europeus, chegou-se, na primeira metade do ano passado, a acordos de paz com a demarcação de novas fronteiras. Não se sabe, porém, até quando a paz vai durar. O que se sabe, é que aquela guerra absurda agravou a pobreza dos dois países.

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